O grande educador e cronista Rubem Alves diz que procurou uma imagem que representasse a velhice e que fosse, ao mesmo tempo, bela, havendo encontrado esta linda e inspiradora simbologia no pôr-do-sol, no crepúsculo. Neste período crepuscular, diz Alves, a consciência da morte nos torna sábios. É quando tomamos consciência das coisas que são realmente importantes para nós.
Há uma semana
Dom José Bezerra Coutinho faleceu. O velório ocorreu na capela construída por ele, a de São José, no bairro Papicu, atrás do Hospital Geral de Fortaleza. O sepultamento, na cripta da Catedral de Fortaleza, precedido de Missa na Catedral presidida pelo arcebispo metropolitano, Dom José Antonio Aparecido Tosi Marques, concelebrada por outros cinco bispos e sacerdotes, com a participação de tantos amigos e admiradores de Dom Coutinho, trouxe emoção aos que se despediam do grande bispo.
O caixão foi conduzido até a cripta por padres, em procissão, levando Dom Coutinho à sua última morada, com cânticos em latim, constatando-se aqui ou acolá um soluço de saudade, uma lágrima correndo de olhos que não mais veriam o santo homem, com sua trajetória dedicada à causa de Deus.
Alguns dias depois, um amigo, vendo-me entristecido, perguntou-me qual a idade do bispo e eu lhe respondi que era novo: 98 anos! O amigo achou que eu brincava, mas, não. Dom Coutinho não era velho. Era jovem em suas atitudes, em sua vontade de viver e fazer o bem, praticar a caridade, em seu amor ao Criador.
Até bem pouco, mantinha agenda difícil de ser acompanhada por outra pessoa. Conduzia a capelania do Hospital Geral de Fortaleza, levando conforto espiritual a todos os internos naquele hospital e aos seus parentes; celebrava na Capela de São José; assumia suas funções de Vigário Geral da Arquidiocese de Fortaleza; brindava-nos com sua sabedoria nas reuniões mensais da Academia Brasileira de Hagiologia, da qual foi o grande incentivador e primeiro Presidente de Honra. A nada lhe faltava tempo. Estava sempre feliz, sorridente, pois, em Deus, achava sua felicidade, seu contentamento.
A Escritura Sagrada diz que Deus fez o homem reto e Dom José Coutinho, desde sua infância vivida em Capistrano, Independência, Crateús e Sobral, à juventude, passada nos estudos no Seminário, preparando-se para o sacerdócio, e até à maturidade, cumprida entre o sacerdócio e episcopado, não abandonou a retidão. Em todas suas atitudes, fosse enquanto estudante; sacerdote ou bispo; observamos que Dom Coutinho, foi um homem reto, íntegro.
Dom Coutinho incorporou aquele versículo de Deuteronômio (28,8): “O Senhor mandará que a bênção esteja contigo nos teus celeiros, e em tudo o que puseres a tua mão; e te abençoará na terra que te der o Senhor teu Deus”.
Foi um homem abençoado e irradiou bênçãos por onde passou. No dia em que o Calendário da Igreja Católica celebra a Memória Litúrgica de três de seus grandes bispos que alcançaram a santidade: São Wilibrordo, São Prosdócimo, Santo Enguelberto, Deus chamou para junto de Si, Dom José Coutinho. Recordando as confortantes palavras do Frei Francisco Lopes, a mim dirigidas em relação ao amado pastor, Dom Coutinho foi premiado com a coroa da glória do Justo Juiz, após ouvir do Pai: “vem servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor!”
Até mesmo os santos celebrados no dia de seu retorno à Casa do Pai, refletem sua vida, sua trajetória, senão vejamos:
São Wilibrordo, primeiro bispo de Frísia, aclamado o “Apóstolo dos Frisões”. Faleceu com idade bem avançada e sua festa, ocorre em 7 de novembro, data de sua morte, sendo uma das mais celebradas em toda a Holanda.
São Prosdócimo, bispo italiano, morreu naturalmente, carregado de merecimentos e de idade. O seu culto ainda é vigoroso, sendo venerado pelos fiéis, que rezam por sua paternal intercessão nas situações de aflição e desânimo. A Igreja confirmou a sua celebração e, no calendário litúrgico, são Prosdócimo deve ser homenageado no dia 7 de novembro.
Santo Enguelberto. Sagrado bispo de Colônia. Durante seu mandato, as portas do palácio do arcebispado estiveram sempre abertas à população acorria constantemente ao bispo nas mais variadas situações.
Dom José Bezerra Coutinho era ainda muito jovem. Fez muito, desempenhou a contento todos os encargos a ele confiados, multiplicou os talentos e “recebeu a bênção do Senhor e a justiça do Deus da sua salvação” (Salmo 24,5).
Lembro-me de uma tão linda demonstração de sua fé a uma amiga comum que lhe perguntara se ele acreditava na vida eterna e Dom Coutinho, sem titubear, em sua sabedoria adquirida com o passar dos anos, afirmou que sim. Era a certeza maior que o acompanhava. Sua fé inquebrantável não fraquejou e temos nele mais um santo a interceder por nós na glória de Deus. Isto nos conforta nessa sua despedida.
José Luís Lira (Da Academia Brasileira de Hagiologia)